Política de drogas no Congresso: Entenda o que está em jogo com a PEC 45
A qualquer momento o Senado pode aprovar a PEC 45/2023, um Projeto de Emenda à Constituição que visa criminalizar integralmente a posse de “entorpecentes e similares”, independente da quantidade. Em um país onde milhões de pessoas fazem ou já fizeram uso de maconha, isso significa que, de uma hora pra outra, 1 em cada 5 brasileiros podem ser criminalizados, e em alguns casos até correr o risco de ser presos. Os riscos são especialmente maiores para pessoas negras e comunidades pobres.
É inadmissível que em um momento em que o mundo está adotando políticas de drogas centradas na redução de danos, justiça e direitos, o Senado brasileiro esteja prestes a aprovar uma medida que vai contra essa tendência. Cerca de 60 países já endossaram uma declaração da ONU pedindo por políticas de drogas centradas na redução de danos, justiça e direitos, reconhecendo os impactos negativos que as abordagens repressivas trazem para a sociedade.
A Rede Justiça Criminal explica abaixo como tem funcionado a política de drogas no país e quais os impactos a aprovação de uma proposta como a PEC 45 pode ter.
Por que o Senado Federal pautou a PEC 45?
A PEC foi uma resposta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao que vem sendo chamado de “ativismo legislativo” do STF, que seria interferir e até mesmo legislar no lugar do poder Legislativo. Cabe ressaltar, no entanto, que uma decisão do Supremo a favor da inconstitucionalidade do artigo 28 da atual Lei de Drogas, não criaria uma nova lei, apenas estabelece um critério de quantidade para diferenciar traficantes de usuários. Esse é um dos grandes vazios da atual política de drogas no país e que abre brechas que agravam, ainda mais, o sistema prisional brasileiro.
Fazer uso de substâncias psicoativas é crime hoje no Brasil?
Em 2006, o Brasil despenalizou o porte para consumo pessoal de drogas. A Lei de Drogas, Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, estabelece, em seu artigo 28, que o usuário de drogas comete uma infração ao fazer uso de substâncias psicoativas, mas não pode ser preso desde que o uso seja pessoal, em quantidade considerada como de consumo e não haja indícios de tráfico. Ainda assim, o usuário pode ser criminalizado, recebendo sanções como o comparecimento a cursos ou prestação de serviços comunitários.
Apesar de despenalizar o uso, a legislação não define critérios objetivos para garantir a diferenciação entre usuários e traficantes. Na prática, quem faz essa distinção é o policial e o resultado são condenações que utilizam estereótipos sociais e raciais como principal critério. Assim, a pessoa flagrada com droga passa a ter que provar que não é traficante, contrariando o princípio da presunção de inocência.
Rejeitar a PEC 45 é legalizar as drogas?
Não. Votar contra a PEC 45 é manter a legislação vigente: a Lei de Drogas de 2006. Além disso, a descriminalização do uso não significa a legalização ou liberalização do consumo da droga, e sim que os usuários não sejam presos, podendo a pessoa receber algum tipo de sanção administrativa.
O que está sendo debatido no STF sobre descriminalização de drogas?
A ação julgada pelo Supremo Tribunal Federal pede que seja declarado inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, que considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo. Conforme os ministros foram depositando seus votos, o julgamento caminha para estabelecer os critérios objetivos para diferenciar usuários de traficantes.
PEC x STF: Qual decisão irá valer?
A da PEC. No entanto, é importante salientar que uma nova judicialização do assunto pode ocorrer, caso uma nova ação seja apresentada por um dos legitimados do controle de constitucionalidade – isto é, pessoas, entidades e organizações que têm a prerrogativa de entrar com ação junto ao STF – conforme o art. 103 da Constituição Federal.
Como é feita a diferenciação de usuários e traficantes na lavratura do registro de ocorrência?
Desde 2006, está em vigor a lei nº 11.343, que despenaliza o usuário de drogas. Segundo o artigo 28 da legislação, a pessoa que é flagrada com substâncias ilícitas comete uma infração e não pode ser presa, porém a prática é considerada crime, sendo passível de sanções como o comparecimento a cursos ou prestação de serviços comunitários. Além disso, o usuário assina um Termo Circunstanciado de Ocorrência, que apesar de não gerar antecedentes criminais, endossa a criminalização do usuário, uma vez que o termo fica documentado em registro policial.
Como lidar com o uso problemático que não seja com pena de prisão?
A partir do momento em que vários governos se deram conta de que o atual modelo mundial de combate às drogas não tem funcionado e que gera ainda mais criminalidade e violência, diversos países passaram a adotar políticas públicas que priorizam um tratamento mais humanizado da pessoa usuária, sobretudo da que faz um uso problemático das drogas.
Isso porque se entendeu que o deslocamento do usuário da esfera criminal para as redes de atendimento psicossocial permite que a questão seja tratada do ponto de vista da saúde dessas pessoas e não pelo encarceramento. Tais medidas são conhecidas como políticas de redução de danos, que consistem na prevenção a possíveis danos causados pelas drogas, sem necessariamente focar na abstinência, a fim de fomentar a inclusão social do indivíduo.
Tratar o uso com prisão agrava o problema, afetando tanto a pessoa diretamente envolvida quanto famílias inteiras, uma vez que não poderão garantir o acesso a tratamento de saúde adequado e que respeite a dignidade de seus entes queridos.
Por que ser contra a PEC 45?
Estudos e experiências internacionais mostram que a criminalização do uso de drogas não conduz à redução do consumo. Ao contrário, políticas punitivas tendem a aumentar a violência e sobrecarregar o sistema judiciário e prisional, ao passo que não acessam profundamente as causas subjacentes do abuso de drogas. Essa criminalização pode levar a uma maior relutância em buscar ajuda médica e tratamento por medo de perseguição legal. Isso agrava os problemas de saúde pública, afastando pessoas que usam drogas do serviço de saúde e de outros atendimentos.
Além disso, a proposta tramita em forma de Emenda Constitucional (PEC). O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil é um pilar dos direitos e garantias fundamentais, assegurando direitos como a igualdade perante a lei, a liberdade de expressão e o direito à vida e à segurança pessoal. A inclusão de um inciso que criminaliza a posse e o porte de drogas pode entrar em conflito com tais direitos inegociáveis, especialmente no que tange à liberdade individual e à privacidade.
Por se tratar de uma PEC, o projeto pode ser aprovado sem a sanção do Presidente da República, passando apenas pelo Congresso. Por isso, precisamos barrar a PEC enquanto ela está no Senado e cortar o mal pela raiz em um só grito: criminalização não é a solução!
Você pode agir agora para ajudar a barrar essa proposta! Junte-se a Rede Justiça Criminal e organizações e movimentos parceiros e diga NÃO à PEC 45.
Acesse o site e envie seu recado: usuarionaoecriminoso.org