Quem sabe quantos presos tem no Brasil?
Os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o sistema carcerário estão dando o que falar. E que bom!
Em audiência pública para debater perspectivas para políticas contra o encarceramento em massa, realizada dia 08 de agosto na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Márcio Schiefler Fontes, Conselheiro do CNJ e supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do órgão (DMF/CNJ) apresentou dados extraídos do mais recente Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, conhecido como BNMP 2.0.
Aparentemente, os dados do CNJ apresentam uma realidade menos insuportável e permitem ao Conselheiro tachar de exageradas as afirmações que denunciam diversas disfunções, para dizer o mínimo, do sistema penal brasileiro. De acordo com o Banco Nacional, há no Brasil, hoje, 602 mil pessoas presas; número que confronta outros dados oficiais, como os fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional e que nos caracterizam como a terceira maior população carcerária do mundo, com 726.712 presos.
Outro aspecto que merece destaque é a diferença entre os números apresentados sobre prisão provisória. Segundo o BNMP 2.0, que considera provisória a prisão anterior a uma condenação em primeiro grau, somente 28,71% das pessoas contabilizadas na data de fechamento do relatório estariam presas, em caráter provisório, por mais de 180 dias. Essa informação diverge, consideravelmente, daquela trazida pelo Departamento Penitenciário Nacional em seu último levantamento, que indica ser de 40% a porcentagem de presos sem condenação no Brasil.
O que explica tamanha diferença? Muitas são as possibilidades imaginadas por quem, até o momento, tem se dedicado à análise das informações divulgadas.
Importante destacar que o estado de São Paulo, conhecido por manter a maior população carcerária do país, não finalizou a tempo a alimentação do sistema com a totalidade de seus dados. Ademais, o Rio Grande do Sul, outro estado que costuma exibir uma taxa de aprisionamento considerável, ainda não formalizou a participação no projeto, de modo que o BNMP 2.0 não traz os dados a ele relativos. E também deve ser ressaltada a falta de informações sobre pessoas detidas em carceragens, que por não terem um procedimento judicial instaurado, não foram contabilizadas na elaboração do relatório.
É preciso dizer que nós, defensores de uma política criminal respeitosa das garantias e liberdades fundamentais, vemos com bons olhos os questionamentos elencados. Esta é uma bandeira central da Rede Justiça Criminal, que tem cobrado das autoridades mais responsabilidade na produção de informações sobre o sistema de justiça criminal. Não à toa a Rede lançou em 2016 um boletim informativo intitulado “Quais são os números da justiça criminal no Brasil?”, conclamando todos os atores políticos – gestores públicos, academia e sociedade civil – a contribuir para o fortalecimento da produção de dados e estatísticas sobre o sistema.
Assim como qualquer outra política pública, a política de justiça criminal deve embasar-se em informações qualificadas para a construção de um diagnóstico mais preciso que permita implantar soluções adaptadas aos objetivos, identificar gargalos e propor ações corretivas. A produção de dados e pesquisas é ponto de partida para uma política sem ilusionismo, baseada no diagnóstico verdadeiro dos problemas que se pretende solucionar.
Buscando ampliar a visibilidade dessa demanda por uma política de Estado mais responsável para a justiça criminal, a Rede lançou há uma semana a campanha #EleiçõesSemTruque. Entendendo que segurança pública é um dos temas que mais preocupam o eleitorado brasileiro, a campanha proporciona informações e questionamentos que auxiliam eleitores e eleitoras a identificar propostas simplistas ou ilusórias. Muitos candidatos e candidatas adotam discursos rasos e se aproveitam de uma preocupação legítima ao apresentarem soluções mágicas ou superficiais, sem fundamentação em dados ou informações reais.
Nesse sentido, a disputa entre o judiciário e o executivo pela melhor coleta de dados é vantajosa, e esperamos que essa tensão conduza a mais transparência, regularidade e confiabilidade nos dados de justiça criminal. No entanto, também alertamos para a necessidade de que esses dados ultrapassem os bastidores de tomada de decisões, tornando-se acessíveis a todas as pessoas. Garantir a difusão de informações claras e confiáveis, especialmente sobre justiça e segurança, permite à população que participe ativamente da escolha de prioridades e que tenha elementos para monitorar e avaliar as políticas adotadas.
*Janaína Homerin é bacharel e mestre em Direito pela Universidade de Paris e mestre em Gestão de Políticas Públicas pela FGV-SP, atualmente é secretária-executiva da Rede Justiça Criminal.
Raissa Belintani é bacharel em Direito pela USP – Universidade de São Paulo e mestranda em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades pela mesma universidade, atualmente é pesquisadora no programa Justiça Sem Muros do ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, organização membro da Rede Justiça Criminal.