STF volta a discutir a constitucionalidade das revistas íntimas vexatórias no Brasil
Nesta sexta, dia 18 de outubro, o STF retoma novamente o julgamento sobre a inconstitucionalidade da revista íntima e vexatória em unidades prisionais e a legalidade das provas obtidas por meio deste procedimento. A Corte terá a chance de colocar fim a esta prática, considerada tortura pelas Nações Unidas. Para que possam visitar seus familiares na prisão, mães, filhas, irmãs, esposas, sem poupar idosas e crianças, são obrigadas a se despir completamente, agachar três vezes sobre um espelho, contrair os músculos e abrir com as mãos partes íntimas para que agentes do Estado possam realizar buscas de objetos em seus corpos.
O julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959620, no qual o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) é amicus curiae ao lado de Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) e Conectas Direitos Humanos, organizações que fazem parte da Rede Justiça Criminal, já esteve no plenário virtual e presencial ao menos outras cinco vezes desde 2016, ano em que a ação foi apresentada. Em maio de 2023, faltando apenas um voto para o procedimento ser considerado inconstitucional, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque, suspendendo o julgamento. Já em maio deste ano, o tema voltou ao plenário virtual, com todos os mesmos votos contabilizados anteriormente. Nesta ocasião,o Ministro Cristiano Zanin pediu vista. Até o dia 25 de outubro, quando se encerra o julgamento, cada um dos ministros ainda pode mudar o posicionamento.
No placar, cinco ministros consideraram inadmissível a prática da revista íntima e votaram pela inconstitucionalidade de provas obtidas por este meio: o relator Edson Fachin, que foi acompanhado dos votos das ministras Rosa Weber (aposentada) e Cármen Lúcia, além dos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Dois ministros divergiram do relator: Alexandre de Moraes e Nunes Marques, que depois foram acompanhados por Dias Toffoli e André Mendonça.
“Não podemos fechar os olhos para esta que é uma violência de gênero, raça e classe: as mulheres correspondem a imensa maioria de visitantes no sistema prisional e estão tendo seus corpos violados por um procedimento que já foi considerado violência sexual e tortura por diversos organismos internacionais” comenta Janine Salles. “A revista segue acontecendo mesmo em estabelecimentos que possuem o scanner corporal, por exemplo. Por isso é urgente que o STF invalide a obtenção de provas por revista sem exceções”.
Segundo levantamento da Defensoria Pública de São Paulo, feito em 2020, a medida não garante a segurança das unidades prisionais e sequer reduz ou elimina a presença de drogas e outros objetos ilícitos dentro das prisões. Em São Paulo, por exemplo, estado com a maior população carcerária do país, apenas 0,02% das revistas resultaram em apreensão de objetos.
Outra pesquisa, de 2022, realizada por seis organizações da sociedade civil e a Defensoria Pública de São Paulo, em que foram ouvidos familiares de pessoas presas de todas as regiões do país, mostra entre os números levantados: mais de 70% contaram que seus filhos ou netos tiveram os corpos revistados. Cerca de 48% dessas crianças precisaram ficar nuas, algumas foram obrigadas a tossir e agachar. Tais violações resultam no rompimento de vínculos familiares, pois 66% das pessoas que foram entrevistadas na pesquisa disseram que deixaram de levar seus filhos nas visitas para que eles não sofressem as consequências da revista vexatória.
As organizações encaminharam nesta quinta-feira (17) memoriais aos ministros, em que solicitam a absoluta inconstitucionalidade da prática da revista íntima vexatória. O documento reúne relatos desse tratamento que é dispensado inclusive a crianças, em unidades com scanner, ainda que a Constituição Federal determine expressamente que a pena não passará da pessoa condenada (Art. 5º, inciso XLV).
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, as Regras de Mandela e a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes formam com a Constituição Federal o arcabouço jurídico protetivo da dignidade, da integridade física, da honra, da privacidade e da intimidade que deve subsidiar a interpretação do caso que está sob julgamento no STF.
“São muitos anos de atraso e familiares de pessoas presas – principalmente mulheres, mas também crianças – continuam tendo seus direitos violados indiscriminadamente. Além disso, naturaliza-se o desrespeito ao princípio básico do direito penal de que a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado, pois a revista vexatória é uma pena imposta a quem visita alguém preso”, diz Marina Dias, diretora-executiva do IDDD.
Relembre o julgamento
2016 – Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959620 é protocolado. O Recurso pede que toda prova produzida ou colhida a partir de ofensa a normas constitucionais, como o princípio da dignidade da pessoa humana, da intimidade, da honra e da imagem, seja considerada ilegal e, portanto, sem validade em um processo criminal. Atualmente, essas provas são admitidas nos processos.
O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP-RS) contra decisão do Tribunal de Justiça local (TJ-RS), que absolveu da acusação de tráfico de drogas uma mulher que levava 96 gramas de maconha no corpo para entregar ao irmão, preso no Presídio Central de Porto Alegre (RS). Segundo o TJ-RS, a prova foi produzida de forma ilícita, em desrespeito às garantias constitucionais da vida privada, da honra e da imagem, pois a visitante foi submetida ao procedimento de revista vexatória no momento em que ingressou na unidade prisional para realizar visita ao familiar detido.
2018 – STF reconhece a existência da repercussão geral da questão.
2020 – O STF começa a julgar a legalidade das provas colhidas por meio de revista íntima.
O relator do julgamento, ministro Edson Fachin, sustenta que as provas obtidas a partir de práticas vexatórias, como desnudamento de pessoas, agachamento e busca em partes íntimas, por exemplo, devem ser definidas como ilícitas, por violação à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais. O julgamento é pausado por pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
2021 – O julgamento é retomado e, logo em seguida, pausado por pedido de vista do ministro Nunes Marques.
2023 – O recurso voltou à pauta em maio de 2023, quando chegou a cinco votos pela proibição da revista íntima vexatória.
Seguiram, na ocasião, a posição do ministro Edson Fachin, relator do caso — o presidente Luís Roberto Barroso, as ministras Rosa Weber (aposentada), Cármen Lúcia e o ministro Gilmar Mendes.
O ministro Gilmar Mendes pede destaque, mas o destaque é cancelado por ele mesmo, no mês de novembro, e o julgamento segue em plenário virtual.
Maio de 2024 – O ministro Zanin suspende o julgamento com um pedido de vista. Até aqui, nove dos onze ministros votaram. Cinco deles, inclusive o relator, Edson Fachin, se manifestaram contra qualquer revista íntima, enquanto quatro argumentaram que nem toda ação do tipo é ilegal.
Outubro de 2024 – O julgamento é agendado para 18/10 a 25/10, no plenário virtual.