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Encarceramento em Massa, Nota Pública

Quais são os riscos gerados com o fim das saídas temporárias?

Publicado em: 22/02/2024
Escrito por: Foto: Carlos Nogueira/A Tribuna

Nessa terça-feira (21) o Senado aprovou o projeto de lei (PL) que altera a Lei de Execução Penal com a restrição da saída temporária e de uma série de outros direitos de pessoas presas com sentença, o PL 2253. O texto original teve relatoria de Flávio Bolsonaro, e após ser aprovado ontem com algumas alterações por 62 votos a favor e apenas 2 contrários e uma abstenção, retorna para a Câmara dos Deputados.

Você sabe quais são os riscos reais gerados com essa política?

Atualmente, a Lei de Execução Penal prevê que apenas as pessoas que cumprem pena em regime semiaberto, ou seja, já gozam do direito de ir e vir do cárcere para trabalhar, terão direito à saída temporária, cinco vezes ao ano, que pode ter como objetivos a visita à família, a frequência a curso supletivo ou profissionalizante ou a participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social (artigo 122 da LEP).

Caso o PL 2253/2022 venha a ser aprovado, na prática, extinguirá materialmente a própria existência do regime semiaberto. Nos termos do artigo 36 da LEP, com a extinção ou inviabilização completa das saídas temporárias, a única diferença material entre os regimes fechado e semiaberto seria o fato de que presos em regime fechado apenas poderiam exercer trabalho externo em obras públicas, ao passo que presos em regime semiaberto poderiam exercer outras formas de trabalho. Uma vez que os dados da SENAPPEN demonstram que menos de 5% dos presos consegue exercer algum trabalho externo, mesmo essa diferença é completamente esvaziada.

Para além disso, a saída temporária é um importante instrumento para a manutenção de laços familiares, inserção e permanência no mercado de trabalho e acesso à outras oportunidades. Extinguir a saída temporária no Brasil produziria efeitos em um sistema em estado crítico. É passada a hora de enfrentarmos os problemas do encarceramento em massa, garantindo que quem cometeu um crime possa retomar a sua vida e reconstruir laços familiares e na comunidade a partir de uma política que articule a rede de garantias.

Pânico moral e desinformação

Alvo constante de campanhas de desinformação baseadas em racismo, preconceito e pânico social, as saídas temporárias costumam ser atreladas ao aumento de fugas. Contudo, mesmo diante do quadro de intensas violações de direitos do sistema prisional, mais de 95% das pessoas que gozam do direito à saída temporária retornam regularmente à unidade prisional para a continuidade do cumprimento da pena, de acordo com levantamento da Folha de São Paulo. Na maioria dos casos de não retorno, esse “descumprimento” relaciona-se mais a atrasos, sendo mais raras as hipóteses de abandono. Nessas hipóteses, há sustação do direito às saídas e a pessoa é novamente presa em regime fechado.

Restrição às saídas temporárias é retrocesso

Na última semana, mais de 60 entidades, entre elas a Rede Justiça Criminal, enviaram uma nota ao Senado Federal indicando que o PL 2253/2022 pode ter um efeito oposto ao afirmado por seus defensores: piora da segurança pública e aumento dos gastos da União e dos estados.

O projeto de lei agora volta à Câmara dos Deputados antes de seguir para sanção presidencial e as organizações de direitos humanos manifestam-se contrariamente à sua aprovação, seja por sua inconstitucionalidade, seja por seu caráter desfavorável do ponto de vista das políticas de reintegração social, da própria segurança interna dos estabelecimentos penais, bem como da segurança pública em geral. Por fim, a ausência de estudo de impactos orçamentários e político criminais faz de sua tramitação extremamente temerária.